Ruído branco indutor de sono para recém-nascidos: mocinhos os vilões?
Sempre achei fantástico pensar que a audição não pode ser desligada, não funciona como a visão que, caso não queríamos ver determinada cena, simplesmente fechamos os olhos e eliminamos a indesejada imagem. Por outro lado, não é possível simplesmente escolher parar de ouvir (não estou considerando o uso de tecnologias que tornam possível não ouvir sons externos). A audição permanece “ligada” 24 horas por dia, inclusive enquanto dormimos.
Contando com a audição ativa durante o sono, muitos pais estão usando o ruído branco para induzir e manter o sono dos bebês, tornando as máquinas que produzem ruído branco na seção de “itens indispensáveis” no enxoval do recém-nascido. Alguns pais gostam tanto dessa solução que alguns pais não ficam nervosos só de pensar em se desfazer desse Santo Graal do sono infantil, que continuam a usá-lo a noite inteira e durante os primeiros anos de vida do bebê.
Por isso, vários aplicativos de música já possuem setlist com ruído branco para o momento soninho do bebê, além das babás eletrônicas que, em alguns de seus modelos, esse recurso já está disponível.
Não, os pais não tiraram do bolso essa informação, existem vários estudos que validam esse achado. E qual é a explicação científica que explica essa aparente bênção? Bebês gostam de “ruído branco” porque lembra os sons do útero, como o batimento cardíaco e o fluxo sanguíneo da mãe, criando uma sensação de segurança e conforto.
Este ruído imita os sons do ventre materno, ajudando a acalmar bebês agitados ou com cólicas. É semelhante a muitos sons naturais e de eletrodomésticos em nosso ambiente.
Mas, nem tudo são flores, pesquisadores estão pedindo a regulamentação de dispositivos de ruído branco para bebês e crianças pequenas, pois concluíram que a exposição prolongada em altos volumes pode prejudicar o desenvolvimento, causando perda auditiva e dificuldades de aprendizado. Alertam que os pais podem estar expondo seus filhos a níveis de ruído equivalentes a um trem de metrô barulhento por muitas horas diárias.
Tendo isso em mente, especialistas aconselham pais e cuidadores a medir e limitar o volume do ruído branco usando aplicativos de medição de som para smartphones, até que se estabeleça limites e avisos. Michelle Hu, fonoaudióloga, alerta para o risco do uso incorreto causar perda auditiva permanente, comparando o dano a ouvir música em volume muito alto por horas. O estudo recente, publicado na revista Sleep Medicine, foi motivado por uma experiência pessoal de um dos pesquisadores, Isaac Erbele, que notou o volume alto da máquina de ruído branco do filho de um amigo durante um jantar.
A exposição ao ruído pode causar danos auditivos cumulativos ao longo da vida, assim como a exposição a metais pesados como o chumbo. Erbele e seus colegas recomendam limitar o ruído branco para crianças e bebês a 60 decibéis, equivalente ao volume de uma conversa normal. Sons altos por muito tempo tem a possibilidade de danificar irreparavelmente o ouvido interno e causar outros problemas de saúde.
Os pesquisadores encontraram evidências em modelos animais de que a exposição prolongada ao ruído pode atrasar o desenvolvimento dos centros de linguagem e auditivos do cérebro. Estudos em humanos adultos mostraram que o aumento do ruído pode diminuir a atenção e aumentar a carga de trabalho mental, o que contribuiria para atrasos no desenvolvimento infantil.
Máquinas de ruído branco comercialmente disponíveis podem atingir volumes de até 91 decibéis, superando as recomendações de exposição do National Institute for Occupational Safety and Health. Playlists de streaming podem alcançar volumes ainda maiores, dependendo dos alto-falantes usados, como celulares ou tablets. Erbele destaca a preocupação com a duração da exposição ao ruído branco em altos volumes para bebês e crianças pequenas, que podem dormir entre 12 e 16 horas por dia.
Os pesquisadores analisaram 20 estudos anteriores sobre os efeitos do ruído branco em crianças, adultos e animais, comparando esses dados aos limites de segurança para trabalhadores. Esta abordagem fragmentada é comum em pesquisas médicas para evitar a exposição intencional de crianças a potenciais danos, mas limita as conclusões do estudo. A equipe reconheceu a necessidade de mais pesquisas sobre a intensidade e duração ideais da exposição ao ruído branco em crianças.
Mas calma, respira, não estou aqui tentando levar o Santo Graal, Erbele e outros especialistas recomendam que os pais que usam ruído branco para seus filhos limitem o volume, e espalhar essa informação é essencial.
Michelle Hu, que opera o site Mama Hu Hears para apoiar pais de crianças surdas ou com deficiência auditiva, compartilhou sua própria experiência. Quando teve seu primeiro filho em 2018, ela usava ruído branco em volume alto. Depois, percebeu a importância de verificar o volume, lembrando dos padrões de ruído para a unidade de terapia intensiva neonatal. Hu agora limita suas máquinas de ruído branco a 45 decibéis. Ela alerta que aumentar o volume não é a solução para acalmar bebês.
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