A menopausa e o cérebro, o que diz a ciência
Fernanda Lima participou, recentemente, do programa Provoca, comandado por Marcelo Tas, e afirmou que a mulher perde massa cinzenta durante a menopausa. O que diz a ciência sobre isso?
Antes de mais nada vamos entender o que é a menopausa. A menopausa é uma fase de transição na vida da mulher, marcada pelo envelhecimento do sistema reprodutivo. Inicia-se na meia-idade e envolve mudanças neurológicas e endócrinas. O processo ocorre em diferentes etapas e resulta da redução dos hormônios sexuais femininos.
A perda de função associada à menopausa pode ocorrer devido ao envelhecimento natural do sistema endócrino, à remoção dos ovários ou a tratamentos médicos que interrompem sua atividade hormonal.
Além disso, a menopausa representa uma mudança neurológica, como evidenciado por sintomas característicos, incluindo esquecimento, distúrbios do sono, alterações de humor e ondas de calor. Dessa forma, a saúde dos ovários e do cérebro estão intimamente conectadas nas mulheres.
Com a queda dos níveis de estrogênio, ocorrem alterações na estrutura, quantidade e interações das células nervosas, além de mudanças no metabolismo da glicose e na expressão genética. Em modelos animais fêmeas, a redução do estrogênio foi associada ao acúmulo da proteína beta-amiloide (Aβ), conhecida por formar placas no tecido cerebral de pessoas com Alzheimer (DA), embora também possa estar presente em indivíduos saudáveis.
As transformações na estrutura cerebral, na conectividade neural e no metabolismo energético variam conforme o estágio da menopausa (pré-menopausa, perimenopausa e pós-menopausa). Regiões responsáveis por funções cognitivas superiores são as mais afetadas em todas as idades.
Essas mudanças ocorrem independentemente de outros fatores de risco, como predisposição genética (ApoE-4), histerectomia ou uso de terapia hormonal.
Na pós-menopausa, a principal alteração cerebral é a redução no uso da glicose, indicando menor atividade neural, consequência direta da queda do estrogênio, essencial para o metabolismo cerebral.
No TED, a neurocientista Lisa Mosconi explica que essa deficiência hormonal impacta diversas regiões do cérebro. No hipotálamo, interfere na regulação da temperatura corporal, causando ondas de calor. No tronco cerebral, afeta os ciclos de sono e vigília. Na amígdala e no hipocampo, altera o equilíbrio emocional e a memória, resultando em mudanças de humor e lapsos de memória.
O volume da matéria cinzenta no cérebro também sofre redução. No entanto, essa mudança pode ser revertida com a reposição hormonal, indicando que a conexão entre o sistema nervoso central e o eixo endócrino permanece ativa por um longo período após o início da menopausa.
Após essa transição, os indicadores de declínio cognitivo se estabilizam, e o volume da substância cinzenta retorna aos níveis normais nas regiões cerebrais mais impactadas pelo envelhecimento endócrino.
O declínio cognitivo na transição para a menopausa inclui esquecimento, menor velocidade de processamento e aprendizado prejudicado, mas tende a normalizar na pós-menopausa. Sintomas vasomotores (SVM), como ondas de calor e suores noturnos, podem ocorrer em diferentes fases e não estão diretamente ligados à queda do estradiol. O declínio cognitivo pode estar relacionado ao hipocampo e ao córtex pré-frontal. Além disso, SVM graves estão associados a maior risco cardiovascular, resistência à insulina e potencial aumento do risco de AVC.
O SVM também está ligado ao aumento dos níveis de cortisol cerca de 20 minutos após o evento, o que pode impactar a memória. Além disso, esses episódios podem reduzir o fluxo sanguíneo em até 5%, influenciando a cognição durante a transição da meia-idade.
Assim, o SVM pode representar um fator de risco tanto para doenças cardiovasculares quanto para o declínio cognitivo nesse período, atuando como um possível mediador entre ambos.
Mulheres na transição da menopausa apresentam mudanças significativas nos biomarcadores cerebrais em comparação aos homens da mesma idade. Essas alterações neurológicas podem levar a sintomas como depressão, ansiedade e, em alguns casos, demência. No entanto, o envelhecimento endócrino gradual permite que o cérebro se adapte à perda de estrogênio, o que pode explicar a diminuição dos sintomas, como ondas de calor, após alguns anos.
A neuroimagem mostra que, na pós-menopausa, o volume da substância cinzenta se normaliza, especialmente em áreas ligadas à memória e cognição. Apesar da redução permanente da substância branca, mulheres pós-menopausa demonstram maior conectividade estrutural e mielinização em comparação aos homens, sugerindo uma possível adaptação do cérebro para manter a eficiência das redes neurais.
O estrogênio desempenha um papel crucial no metabolismo da glicose no cérebro. Durante a transição da menopausa, a utilização de glicose inicialmente diminui, mas depois se estabiliza em um novo nível, indicando uma adaptação cerebral. Após a menopausa, os níveis de ATP aumentam, acompanhados por uma melhora global na cognição, sugerindo que a recuperação mitocondrial pode sustentar a função cognitiva.
A relação entre terapia hormonal (TH) e cognição ainda é debatida. Estudos indicam que, na pós-menopausa tardia, a terapia combinada de estrogênio e progesterona pode elevar o risco de demência, enquanto o uso isolado de estrogênio não altera esse risco. No entanto, no início da pós-menopausa, a TH não demonstrou impacto significativo na cognição. Acredita-se que seus benefícios estejam ligados ao momento de início do tratamento, sendo mais eficazes quando iniciados precocemente, especialmente após a menopausa induzida.
Fatores como peso corporal e estilo de vida podem influenciar os efeitos dos hormônios na cognição. O excesso de peso pode reduzir seus benefícios, enquanto uma boa condição física pode potencializar efeitos positivos a longo prazo. Além disso, algumas pesquisas sugerem que, após a menopausa, o cérebro pode produzir estrogênio localmente, ajudando a manter a função do hipocampo independentemente dos níveis hormonais circulantes.
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