Como os seres humanos adquirem linguagem através dos olhos de um bebê?
O cientista Wai Keen Vong e o professor assistente do CDS Brenden Lake tinham uma pergunta, ou melhor, duas.
Pergunta 1: como as crianças aprendem a associar novas palavras a objetos específicos ou conceitos representados visualmente?
Pergunta 2: o que um modelo de Inteligência Artificial (IA) pode aprender quando recebe os dados de apenas uma criança?
E foi em busca dessa resposta que os cientistas desenvolveram o estudo que será exposto nesse artigo.
Segundo Vong, os resultados apontam que a IA pode ajudar-nos a compreender como os humanos aprendem. Você está pensando: mas o ChatGPT já faz isso? “Nananinanão” o ChatGPT não aprende como uma criança e sim com base em milhares de milhões de pontos de dados, o que, em nenhuma medida, se compara com às experiências do mundo real vivenciadas por uma criança, já que não recebemos internet ao nascimento e não aprendemos usando o wi-fi do nosso vizinho.
Nesse estudo, Vong e Lake demonstraram que a IA aprendeu apenas construindo associação entre as imagens e palavras que via/ouvia juntas, já que nenhum outro conhecimento prévio sobre a linguagem foi programado. Esse achado coloca em xeque a teoria inatista de Chomsky que, no livro Aspects of the Theory of Syntax (1965), ele expôs suas ideias acerca do conhecimento linguístico inato.
O estudo: Vong e col. usaram 61 horas de gravações obtidas por uma câmera acoplada a um capacete que foi usado por um garotinho chamado Sam e reuniram experiências da perspectiva da criança. Sam, um pequeno morador da Austrália, usou a câmera por cerca de uma hora por dia, duas vezes por semana, dos seis meses aos 2 anos de idade. A partir dos frames do vídeo e palavras ditas por Sam, transcrita da gravação, os pesquisadores treinaram sua rede neural. O modelo foi exposto a 250 mil palavras e imagens correspondentes, todas capturadas durante atividade como brincar, ler e comer.
A técnica de aprendizagem construtiva foi utilizados para treinar a rede neural e aprender quais imagens e texto tendem a andar juntos e quais não, para construir informações que podem ser usadas para prever a quais imagens certas palavras, como bola e tigela, se referem.
Não adianta falar que faz e não provar, portanto, para testar a IA os pesquisadores pediram ao modelo que combinasse uma palavra com uma das quatro imagens candidatas, um teste que também é usado para avaliar as habilidades linguísticas das crianças. Ele classificou o objeto com sucesso em 62% das vezes – muito melhor do que os 25% esperados pelo acaso e comparável a um modelo de IA semelhante que foi treinado em 400 milhões de pares de imagem-texto de fora deste conjunto de dados.
Para algumas palavras, como “maçã” e “cachorro”, o modelo foi capaz de identificar corretamente exemplos inéditos – algo que os humanos geralmente consideram relativamente fácil. Em média, isso aconteceu com sucesso em 35% das vezes. A IA foi melhor na identificação de objetos fora do contexto quando eles ocorriam com frequência nos dados de treinamento. Também foi melhor para identificar objetos que variam pouco em sua aparência, diz Vong. Palavras que podem referir-se a uma variedade de itens diferentes – como “brinquedo” – foram mais difíceis de aprender.
E o que essa pesquisa nos ensina sobre a aquisição de linguagem? Antes vale ressaltar que a dependência do estudo em dados de uma única criança pode levantar questões sobre a generalização das suas conclusões, uma vez que as experiências e os ambientes das crianças variam muito, segundo Heather Bortfeld, cientista cognitiva da Universidade da Califórnia. Mas o exercício revelou que muito pode ser aprendido nos primeiros dias dos bebês única e exclusivamente através da informação de associações entre diferentes fontes sensoriais.
As descobertas também colocam em xeque as teorias inatistas, como a de Chomky.
Entretanto, é preciso estar atento ao fato de que a aprendizagem de línguas no mundo real é muito mais rica e variada do que a experimentada pela IA, uma vez que essa se limita ao treinamento em imagens estáticas e texto escrito, ela não poderia vivenciar interações inerentes à vida de um bebê real. Os pesquisadores exemplificam essa afirmação usando a palavra “mão” que, via de regra, é aprendida precocemente. Vong acredita que esse achado se deve ao fato de os bebês terem suas próprias mãos e tem muitas experiências com elas. A experiência vivenciada pelos bebês é um componente que falta no modelo de IA proposto.
A pesquisa continuará com novas crianças e com a inclusão do refinamento para tornar o modelo mais alinhado com as complexidades da aprendizagem humana, oferecendo caminhos interessantes para avanços nas ciências cognitivas.
Fontes:
https://www.washingtonpost.com/science/2024/02/02/how-humans-learn-language-ai-child/
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