Comer carne ou não, eis a questão
Nós, humanos, somos relativamente novos no planeta, existimos há cerca de 2,5 milhões de anos e consumimos carne há, pelo menos, 2,4 milhões de anos. Como os cientista sabem disso? Paleontólogos chegaram a essa conclusão analisando vestígios de cortes em ossos fósseis de animais, ferramentas de pedra sobreviventes e análises dos dentes de nossos ancestrais. Mas nem todos os “Homo” consumiam o mesmo tipo e mesma qualidade de carne.
Enquanto o Homo habilis e o Homo rudolfensis só comiam lagarto vez ou outra ou os restos deixados por outros predadores, o Homo erectus era um caçador. Mas me espanta muito a quantidade de carne que passamos a consumir atualmente, estão sentados? Se não estão espero um tempo para se acomodarem, tic, tac, tic, tac, sentados, então vamos lá…Segundo alguns cálculos, o americano médio come cerca de 7.000 animais durante a vida – incluindo 4.500 peixes, 2.400 galinhas, 80 perus, 30 ovelhas, 27 porcos e 11 vacas. Esse número escandalosamente alto é realmente necessário? Vamos tentar descobrir?
Tentando entender esse volume assombroso me deparei com algumas teorias, dentre elas que afirma que foi o consumo de carne que nos tornou humanos. Lá pelos anos de 1950 o antropólogo Raymond Dart afirmou que nossos antepassados eram dependentes do consumo de carne por uma questão de sobrevivência, já que somente assim seria possível sobreviver na savana africana.
Já na década de 1990, surgiu a teoria do tecido caro, o cérebro. Segundo Leslie Aiello e Peter Wheeler a hipótese do tecido caro, o cérebro. Segundo essa teoria outros tecidos teriam de regredir à medida que o cérebro humano evoluía. Eles queriam responder à questão de onde os primeiros hominídeos obtinham a energia para seu crescente órgão de pensamento. Enquanto o volume cerebral do Homo rudolfensis ainda era de cerca de 750 centímetros cúbicos, o Homo erectus já tinha até 1.250 centímetros cúbicos. Hoje, o Homo sapiens tem até um volume cerebral de 1.100 a 1.800 centímetros cúbicos.
E o cérebro não é somente caro, ele é caríssimo. Embora represente apenas uma pequena porcentagem da massa corporal total, consome um bom quinto da energia total. Você deve estar se perguntando, mas o que isso tem a ver com o consumo de carne? Explico: em comparação com raízes, folhas e muitas outras partes das plantas, a carne (especialmente as vísceras como o fígado, o coração ou a língua) tem uma densidade de nutrientes bastante elevada, com muitas proteínas e, acima de tudo, gorduras. Se bem processada ou picada, o seu consumo economiza até na mastigação, permitindo que seu consumo seja feito com pouco consumo de energia.
Como diriam meus avós, juntou a fome com a vontade de comer, pouco consumo de energia com aumento de oferta de nutrientes, ou seja, um alimento rico em energia. Qualquer excedente pode então ir para o desenvolvimento e funcionamento do cérebro – ou assim prossegue o argumento.
Pois bem, nascemos como “comedores de carne”, sendo essa a justificativa para a não adesão ao vegetarianismo, considerando esse último como não natural. Mas esquecem que ESTAMOS EM CONSTANTE EVOLUÇÃO, ou seja, a evolução humana não está bloqueada.
Nossos ancestrais passavam meio dia para perseguir um anima para abatê-lo e caçar, nós temos que ir ao açougue mais próximo e pedir meio quilo de alcatra e 3 sobrecoxas de frango. Os métodos modernos de melhoramento aumentaram significativamente o conteúdo de nutrientes nos alimentos vegetais. E com o tempo, aprendemos a cozinhar nossos alimentos para que sejam mais fáceis de digerir e os nutrientes sejam mais acessíveis.
Carnes deixaram de ser produto de luxo, calma, não estou falando que não sejam baratas, mas sim que estão mais acessíveis a toda população. Algumas vezes as carnes são mais baratas que alguns vegetais.
Mas esse não é exatamente o ponto a que desejo abordar nesse momento. A produção de carne consome muitas vezes mais recursos. Cerca de 77% das terras aráveis do mundo são utilizadas para a produção de carne e leite, embora os produtos de origem animal forneçam apenas cerca de 18% das necessidades calóricas do mundo. Mesmo que existisse uma ligação evolutiva entre o consumo de carne e a transformação humana, deveríamos ser capazes de nos emancipar dela hoje. Será que, realmente, essa produção tem que ser tão agressiva?
Lembram da teoria que diz que o consumo de carne nos tornou humanos? Pois é, ela está sendo refutada por numerosos estudos paleoantropológicos. Por exemplo, uma equipa liderada por Ana Navarrete, da Universidade de Zurique, não encontrou mais provas no reino animal para a hipótese do tecido caro em análises extensas, levantando questionamento sobre a dieta ideal.
Num estudo de 2022, um grupo de investigação liderado pelos paleoantropólogos W. Andrew Barr, da Universidade George Washington, e Briana Pobiner, do Museu Nacional de História Natural Smithsonian, examinou novamente as supostas evidências arqueológicas da teoria “a carne tornou-nos humanos”. Os cientistas compilaram dados de 59 locais de nove grandes áreas de investigação na África Oriental, com idades compreendidas entre 2,6 e 1,2 milhões de anos. Em seguida, a equipe colocou todas as descobertas ósseas anteriores em perspectiva cronológica.
As evidências arqueológicas do consumo de carne aumentam acentuadamente quando se olham para espécimes ligados ao surgimento da espécie Homo erectus, relataram os pesquisadores. No entanto, descobriram eles, esta tendência reflete o foco científico nesse período de desenvolvimento evolutivo; isto é, há simplesmente mais material coletado de locais ligados ao Homo erectus primitivo . Como resultado, o quadro é distorcido e a ligação entre o consumo de carne e a evolução do género Homo é falsamente sublinhada, disseram. “O nosso estudo mina a ideia de que comer grandes quantidades de carne impulsionou mudanças evolutivas nos nossos primeiros antepassados”, disse Barr.
Para Richard Wrangham, primatologista de Harvard, o ganho nutricional não aconteceu com o consumo de carne e sim quando o Homo aprendeu a cozinhar. Segundo Wrangham, ao triturar e aquecer os alimentos, eles são “pré-digeridos”, de modo que o nosso corpo tem de gastar menos energia para os decompor. Os alimentos cozinhados permitiriam, assim, aos humanos absorver mais energia do que os alimentos crus, fornecendo, em última análise, mais combustível para o cérebro em menos tempo. Essa teoria faz com que a crença de que o consumo de carne nos tornou humanos caia por terra. Sua teoria foi testada oferecendo comida crua e cozida a ratos e camundongos. O resultado: ratos criados com alimentos cozidos ganharam de 15 a 40% mais peso do que ratos alimentados apenas com alimentos crus.
É possível provar que foi o cozimento do alimento foi, de fato, o motor da evolução humana? A resposta é não. As lareiras deixam vestígios muito mais perecíveis do que ferramentas de pedra e ossos. São, portanto, mais difíceis de rastrear e datar. É possível que os humanos tenham começado a cozinhar os alimentos até ficarem macios muito mais cedo do que pensamos.
E ai, esse relato te fez pensar se você precisa realmente de carne para viver?
FONTES
2- https://www.americanscientist.org/article/meat-eating-among-the-earliest-humans
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