Impacto da Doença Renal Crônica na Audição e no Equilíbrio

doença renal crônica

Escrito por Sigla Educacional

18 de agosto de 2025

Impacto da Doença Renal Crônica (DRC) na Audição e no Equilíbrio: Evidências Clínicas

A relação entre doenças renais e alterações dos sistemas auditivo e vestibular tem recebido atenção crescente na literatura científica e nos relatórios de saúde pública nos últimos anos, revelando um fenômeno multifatorial que combina vulnerabilidade fisiológica, comorbidades frequentes e efeitos adversos de tratamentos médicos.

Estudos clínicos nacionais que incluem avaliações audiológicas em pacientes sob tratamento renal conservador, em hemodiálise ou pós-transplante, descrevem uma maior frequência de alterações auditivas, particularmente em altas frequências, além de alterações nos potenciais evocados e relatos subjetivos de tontura e desequilíbrio. Essas observações nacionais convergem com achados internacionais: pesquisas de base populacional demonstram que pacientes com função renal reduzida apresentam risco aumentado de episódios de perda auditiva neurossensorial súbita e de quadros compatíveis com doença de Ménière, sugerindo uma associação robusta entre comprometimento renal e disfunção do ouvido interno.

Os mecanismos fisiopatológicos propostos para explicar por que doenças renais afetam audição e equilíbrio são multifacetados e plausíveis quando considerados em conjunto. Anatômica e funcionalmente, existem semelhanças entre estruturas renais — como os néfrons — e estruturas cocleares — em especial a estria vascular — no que diz respeito ao transporte iônico e à regulação do equilíbrio de fluidos; assim, alterações na homeostase hidroeletrolítica típicas da insuficiência renal podem modificar o volume e a composição do líquido endolinfático, predispondo a fenótipos de hipoacusia neurossensorial, tinnitus e vertigem. Além disso, a presença frequente de hipertensão arterial e diabetes mellitus entre pessoas com doença renal crônica potencializa o risco vascular e microangiopático que pode comprometer a irrigação do ouvido interno, e a exposição a fármacos potencialmente ototóxicos — diuréticos de alça, aminoglicosídeos e alguns imunossupressores — durante o manejo das complicações renais pode acelerar ou agravar lesões cocleares e vestibulares.

Estudos longitudinais com grandes coortes mostraram razões de risco ajustadas que duplicam o risco de perda auditiva neurossensorial súbita em indivíduos com DRC e aumentam também a incidência de doenças vestibulares, reforçando que não se trata apenas de uma correlação casual, mas de uma associação com implicações clínicas importantes.

Clinicamente, a expressão dessa interseção é heterogênea: alguns pacientes referem diminuição gradual da acuidade auditiva, sobretudo em frequências altas, outras experiências incluem episódios agudos de perda auditiva, zumbido persistente ou crises de vertigem compatíveis com hidropsia endolinfática.

Avaliações audiológicas detalhadas realizadas em centros brasileiros têm documentado alterações tanto na audiometria convencional quanto em testes de altas frequências e em potenciais evocados, além de evidências de comprometimento do processamento auditivo central em subgrupos de pacientes com DRC. Estas alterações podem ocorrer em crianças, adultos e idosos, embora o perfil de risco e a expressão clínica possam variar conforme a duração da doença renal, o tipo de tratamento (conservador, hemodiálise, transplante) e a presença de comorbidades.

Do ponto de vista de saúde pública e prática assistencial, o reconhecimento da associação entre DRC e disfunção auditiva e vestibular impõe a necessidade de integração entre nefrologia, otorrinolaringologia e fonoaudiologia. Estratégias preventivas e de vigilância que parecem razoáveis, com base nas evidências atuais, incluem triagem auditiva de base em pacientes com insuficiência renal crônica ao ingresso no seguimento especializado e em momentos críticos — por exemplo, antes e após o início de hemodiálise, em avaliações pré e pós-transplante e sempre que houver exposição a agentes ototóxicos — assim como educação sobre sinais de alerta (queda auditiva súbita, zumbido novo, episódios de vertigem) para que haja diagnóstico precoce e intervenções oportunas.

A implantação de protocolos locais deve ser sensível ao contexto epidemiológico regional; no Brasil, onde a prevalência de doença renal crônica e a demanda por terapias renais têm crescido, conforme o boletim do Ministério da Saúde, a incorporação de rotinas auditivas no cuidado integrado ao paciente renal pode contribuir para reduzir perdas funcionais, melhorar qualidade de vida e diminuir o impacto social dessas comorbidades.

Finalmente, lacunas importantes persistem na literatura nacional: faltam estudos longitudinais de grande porte no Brasil que quantifiquem de forma precisa a incidência de eventos auditivos e vestibulares entre portadores de DRC, estratifique o risco por estágios de filtração glomerular e avalie o papel moderador de tratamentos específicos e de determinantes sociais de saúde. Até que tais evidências estejam disponíveis, recomenda-se que os clínicos considerem a audição e o equilíbrio como componentes essenciais do cuidado integral ao paciente renal, adotando uma abordagem preventiva, avaliativa e reabilitadora sempre que necessário.

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