Escolhas alimentares e restaurantes barulhentos

escolhas alimentares

Escrito por Sigla Educacional

8 de julho de 2024

Está achando um absurdo essa informação? Está achando que deve ser impossível isso ser possível? Mas não é, nas últimas décadas pesquisadores tem se dedicado ao assunto e estudado qual é o impacto do som nas suas escolhas alimentares, que variam do tipo de música, volume e ritmo sonoro.

Acho que todos nós concordamos que nada mais irritante e desagradável que ter que gritar para falar com seus amigos durante um jantar. Que o barulho pode ser irritante e desgastante todos nós já sabíamos e não era necessária uma pesquisa muito ampla e aprofundada sobre o assunto. Mas você sabia que já existem provas científicas que comprovam que o som alto pode interferir nas suas escolhas alimentares durante a refeição?

Segundo Gregory Scott, fundador da SoundPrint (app que permite que o usuário meça e rastreie o nível de pressão sonora em locais públicos), não existe um nível muito alto de conscientização e educação sobre o que constitui um ambiente sonoro perigoso.

Eu sei que você deve estar se perguntando, o Scott é algum pesquisador importante sobre o tema para fazer tal observação? Te respondo, não, não é. Gregory Scott possui perda auditiva e criou o app após sua frustração de não conseguir manter diálogos em espaços públicos. O app por ele criado faz como uma foto de restaurantes e outros espaços públicos dos Estados Unidos, como restaurantes e cafés.

escolhas alimentares 1Com base nos dados coletados em 2023, a SoundPrint descobriu que 63% dos restaurantes eram excessivamente barulhentos para permitir conversas. A SoundPrint classifica os níveis de som de espaços públicos em quatro categorias: silencioso (abaixo de 70 dBA), moderado (71-75 dBA), alto (76-80 dBA) e muito alto (acima de 81 dBA). Isso significa que a maioria dos restaurantes avaliados com o aplicativo foram classificados como barulhentos ou muito barulhentos.

Como sabemos, ruídos altos podem prejudicar a audição das pessoas. O National Council on Aging informa que 70 dB é o limite para sons saudáveis; níveis abaixo de 70 dB são seguros, enquanto níveis acima de 70 dB podem ser prejudiciais. Para referência, 60 dB corresponde ao som de uma conversa normal, e 120 dB ao barulho de um veículo de emergência ou de uma serraria.

Outra variável que vale a pena destacar, pesquisadores destacam recentes mudanças na arquitetura de restaurantes, onde cortinas e tecidos que absorvem o som estão sendo substituídos por madeira e paredes que amplificam o ruído.

Esses restaurantes e espaços públicos barulhentos podem causar perda auditiva a longo prazo tanto para clientes quanto para funcionários. No entanto, os problemas não param por aí.

E o que isso tudo tem relação com aquilo que eu como?

Nas últimas décadas, pesquisadores têm estudado o impacto do som — incluindo tipo de música, volume e ritmo — nas escolhas alimentares. “O que ouvimos tem um impacto muito maior em nosso comportamento alimentar e de consumo de bebidas do que percebemos”, afirmou o Dr. Charles Spence, chefe do Laboratório de Pesquisa Crossmodal da Universidade de Oxford e pioneiro no campo da gastrofísica. Esta área de pesquisa interdisciplinar emergente analisa a física e a química dos alimentos e da culinária. “De certa forma, [estamos] sendo manipulados sem perceber”, disse Spence.

Estudos sugerem que as pessoas tendem a beber mais em ambientes barulhentos do que em locais mais tranquilos. Elas consomem mais bebidas em um período mais curto de tempo, aumentando a rotatividade das mesas, o que pode elevar os lucros dos estabelecimentos. No entanto, isso pode afetar a saúde dos clientes, levando-os a consumir mais do que o necessário. Estudos semelhantes com ratos mostraram resultados comparáveis.

“Se o som for muito alto, é quase o oposto de comer com atenção”, explicou a Dra. Qian Janice Wang, professora associada de psicologia do consumidor na Universidade de Copenhague. A música alta pode distrair as pessoas de perceberem o quão cheias estão, fazendo com que consumam mais do que precisam ou pretendiam. Comer em excesso pode ser uma forma de lidar com o constrangimento de não conseguir conversar com seus companheiros, acrescentou Wang.

Outra possibilidade é que o ruído elevado pode levar a decisões mais rápidas e impulsivas, fazendo com que as pessoas optem por escolhas alimentares menos saudáveis, explicou a Dra. Anna Brytek-Matera, professora de ciências médicas e da saúde na Universidade de Wroclaw, Polônia.

E quanto ao paladar, existe alguma interferência?

Mas essa é apenas uma parte da relação entre som e comida. Pesquisas posteriores sugerem que as pessoas podem perceber os sabores de forma diferente dependendo do tom do som. Spence mencionou um experimento onde as pessoas provaram chocolate amargo enquanto ouviam músicas com tons altos e baixos. Com tons mais altos, as pessoas acharam o chocolate mais doce; com tons mais baixos, ele parecia mais amargo.

Descobertas como essa podem influenciar a saúde das pessoas, pois elas poderiam perceber um alimento como mais doce ao ouvir um som agudo, sem que o teor de açúcar fosse alterado. Spence chamou o impacto do som no sabor dos alimentos de “tempero sônico”.

Isso é apenas a ponta do iceberg (alface proverbial). Outros estudos mostraram diversas formas pelas quais o som altera nossa percepção dos alimentos, como ruídos altos que aumentam a percepção do umami enquanto diminuem outros sabores, ou como o tipo de música pode impactar o prazer do vinho. Brytek-Matera também citou um estudo em que pessoas que ouviam sons da natureza tinham mais propensão a escolher alimentos saudáveis em vez de não saudáveis.

Contudo, o som pode não ser o único fator. O humor de uma pessoa também pode influenciar a percepção do paladar, assim como as preferências individuais. Algumas pessoas preferem ambientes mais barulhentos; Scott observou que alguns usuários do aplicativo SoundPrint procuravam lugares mais ruidosos. Além do paladar e do som, outros sentidos também podem influenciar a experiência de uma refeição, como a cor do prato, a textura dos alimentos e o aroma.

No entanto, ainda há espaço para mais pesquisas no campo, como a análise das preferências individuais e as diferenças culturais e nacionais. Brytek-Matera observou que existem algumas contradições entre os estudos que também necessitam de investigação adicional.

Assim como um logotipo, alguns restaurantes usam uma “marca sonora”

Embora algumas pessoas possam não perceber a influência do som na comida, alguns chefs estão atentos a isso. Restaurantes de alto nível têm integrado paisagens sonoras às suas refeições há algum tempo. Por exemplo, o restaurante Sensorium de Federico Rottigni, em Milão, oferece um menu de degustação com uma paisagem sonora sincronizada, incluindo música que vai do rock islandês à ópera e ruídos da natureza.

O restaurante Fat Duck de Heston Blumenthal, no Reino Unido, serviu um prato chamado “O Som do Mar”, onde os clientes recebiam um prato de frutos do mar acompanhado de uma concha contendo um iPod e fones de ouvido que reproduziam sons do mar.

Por outro lado, alguns restaurantes sofisticados optaram pelo extremo oposto e não tocam nenhuma música, permitindo que a comida fale por si.

O que os clientes podem fazer para ter uma experiência melhor? Considerar o uso de aplicativos como o SoundPrint para encontrar locais mais silenciosos ou sentir-se capacitado para comunicar suas preocupações à gerência, que pode não estar ciente do problema, sugeriu Scott. Ele observou que a proporção de restaurantes classificados como muito barulhentos diminuiu durante a pandemia, passando de 67% em 2019 para 63% em 2023, mas ainda representa a maioria dos estabelecimentos monitorados pelo aplicativo.

Outras opções incluem frequentar restaurantes fora dos horários de pico ou solicitar uma mesa longe de áreas barulhentas, conforme sugerido por Spence. Wang recomendou planejar antecipadamente o que se deseja ou estabelecer limites para o consumo de bebidas, uma estratégia prudente independentemente do ambiente sonoro.

No entanto, também é aceitável desfrutar de algum nível de ruído. As expectativas das pessoas em relação a um local de alimentação são cruciais. “Se for um restaurante sofisticado, certamente há expectativas quanto ao ambiente sonoro”, observou Steve Keller, diretor de estratégia sonora da SiriusXM. “Se for um bar, é esperado que haja conversas mais altas. Isso faz parte do ambiente que as pessoas apreciam, e está tudo bem.”

Como em tudo relacionado à comida, o ditado antigo é válido — tudo com moderação. Isso inclui o som também.

Você pode gostar também

Mia le Roux, a primeira miss sul-africana surda

Mia le Roux, a primeira miss sul-africana surda

Mia le Roux, a primeira miss sul-africana surda Mia le Roux, miss África do Sul 2024, foi diagnosticada com surdez profunda com 1 ano de idade e, aos 2 anos, recebeu implante coclear, o que lhe permitiu entrar em contato com o mundo sonoro. Le Roux fez terapia...

ler mais
Os autistas e a percepção de tempo

Os autistas e a percepção de tempo

Os autistas e a percepção de tempo Os cientistas Daniel Poole, Luke Jones, Emma Gowen e Ellen Poliakoff, realizaram uma pesquisa com o objetivo de avaliar a percepção de tempo de pessoas autistas. Muitas pessoas autistas relatam dificuldades relacionadas ao tempo,...

ler mais
Compreensão de fala: dependência simultânea de pistas

Compreensão de fala: dependência simultânea de pistas

Compreensão de fala: dependência simultânea de pistas A pesquisa auditiva moderna identificou a capacidade dos ouvintes de segregar fluxos de fala simultâneos com uma dependência de três principais pistas, a saber: são a estrutura harmônica da fala, a localização do...

ler mais
Crianças e dificuldades auditivas

Crianças e dificuldades auditivas

Crianças e dificuldades auditivas: respostas cerebrais ao tom de voz podem oferecer respostas Crianças frequentemente precisam se comunicar em ambientes com ruídos e ecos que distraem. Esses ambientes representam um grande desafio, especialmente para aquelas com perda...

ler mais
O envelhecimento e o córtex pré-frontal

O envelhecimento e o córtex pré-frontal

O córtex pré-frontal e seu risco durante o envelhecimento Durante a evolução “ganhamos” o córtex pré-frontal, mas ele está em maior risco durante o envelhecimento. O grande córtex pré-frontal, que nos proporciona vantagens evolutivas e cognitivas em relação aos...

ler mais
O ruído, o silêncio e a aprendizagem

O ruído, o silêncio e a aprendizagem

O ruído, o silêncio e a aprendizagem O ruído está em todos os lugares, restaurantes, ginásios de esporte, sejam abertos ou fechados, shows, auditórios e tantos outros que você possa imaginar. Infelizmente, o ruído também está presente nas salas de aula. Entretanto,...

ler mais
Ruído branco indutor de sono para recém-nascidos?

Ruído branco indutor de sono para recém-nascidos?

Ruído branco indutor de sono para recém-nascidos: mocinhos os vilões? Sempre achei fantástico pensar que a audição não pode ser desligada, não funciona como a visão que, caso não queríamos ver determinada cena, simplesmente fechamos os olhos e eliminamos a indesejada...

ler mais
Nipah vírus, a volta daquele que nunca se foi

Nipah vírus, a volta daquele que nunca se foi

Nipah vírus, a volta daquele que nunca se foi Antes de entendermos a nova presença do vírus, vamos entender o que é o Nipah Vírus. O Nipah Vírus é transportado por morcegos frugívoros, conhecidos como raposas voadoras. A descoberta desse vírus ocorreu em 1999 após um...

ler mais

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *