Hiperacusia não é frescura e a ciência pode explicar

hiperacusia

Escrito por Sigla Educacional

13 de abril de 2024

Hiperacusia não é frescura e a ciência pode explicar

A cóclea dos mamíferos enfrenta um desafio peculiar. A evolução da capacidade auditiva, sensível a uma ampla gama de frequências, resultou na formação de um órgão sensorial biomecanicamente complexo, porém suscetível a danos irreparáveis. Além de provocar perda auditiva, lesões no ouvido interno (cóclea) também podem desencadear condições como hiperacusia, na qual os níveis sonoros cotidianos se tornam intoleravelmente altos e dolorosos.

Complicando ainda mais o cenário, as consequências da hiperacusia podem afetar significativamente a qualidade de vida, às vezes até mais do que a perda auditiva parcial. A pesquisa continua a desvendar os mecanismos subjacentes à hiperacusia.

Uma teoria propõe que a dor associada à hiperacusia (noxacusia) pode ser transmitida ao cérebro por meio de fibras nervosas escassas e não mielinizadas, conhecidas como aferentes cocleares tipo II. Essas fibras compartilham semelhanças com os nervos responsáveis pela sensação de dor no resto do corpo, como na pele.

Um dos marcadores da dor na pele é a liberação de trifosfato de adenosina (ATP), uma molécula de energia celular, que resulta em um aumento nos níveis de cálcio nas células epiteliais. Em torno de uma lesão, isso desencadeia uma “onda de cálcio” que se propaga a partir do local afetado. Essas ondas de cálcio contribuem para a ativação de neurônios sensíveis à dor na pele, os quais transmitem o sinal de dor ao cérebro. Observamos também ondas semelhantes de cálcio no ouvido interno.

No artigo “Trauma acústico prévio altera atividade aferente tipo II na cóclea de camundongos”, a autora demonstrou um aumento de cálcio nas células epiteliais e nas aferentes tipo II após um dano focal causado por laser. Já na revisão “Sinais evocados por danos em neurônios cocleares e células de suporte” os autores se detiveram nas células epiteliais cocleares para destacar outra ferramenta para estudar ondas de cálcio evocadas por danos.

Existe um aumento na fluorescência, que se manifesta como um sinal luminoso, sem a necessidade de corantes sensíveis ao cálcio ou indicadores de cálcio geneticamente codificados. Este aumento na fluorescência é atribuído a um incremento na presença da molécula fluorescente nocotinamida adenina dinucleotídeo (NADH). Quando a onda de cálcio desencadeada pelo dano na cóclea alcança as mitocôndrias das células, isso resulta em uma maior produção de NADH fluorescente a partir da sua forma não fluorescente, o NAD.

As ondas resultantes do aumento da fluorescência se propagam pelos tecidos de maneira similar (em velocidade e dissipação com a distância) às ondas de cálcio previamente descritas na cóclea e na pele, utilizando indicadores de cálcio geneticamente codificados. Importa notar que essas ondas podem ser estudadas em qualquer tecido, uma vez que não requerem indicadores de cálcio.

No contexto da hiperacusia, a perda auditiva induzida por ruído anterior resulta na geração de atividade prolongada e repetitiva nos neurônios do tipo II e nos tecidos circundantes. Essa atividade anormal pode ser a origem da sensibilidade aos sons cotidianos observada na hiperacusia. A pesquisa continuará a examinar a atividade das células epiteliais e das fibras aferentes cocleares tipo II como base celular para a hiperacusia da dor.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10899329/

Você pode gostar também

Mia le Roux, a primeira miss sul-africana surda

Mia le Roux, a primeira miss sul-africana surda

Mia le Roux, a primeira miss sul-africana surda Mia le Roux, miss África do Sul 2024, foi diagnosticada com surdez profunda com 1 ano de idade e, aos 2 anos, recebeu implante coclear, o que lhe permitiu entrar em contato com o mundo sonoro. Le Roux fez terapia...

ler mais
Os autistas e a percepção de tempo

Os autistas e a percepção de tempo

Os autistas e a percepção de tempo Os cientistas Daniel Poole, Luke Jones, Emma Gowen e Ellen Poliakoff, realizaram uma pesquisa com o objetivo de avaliar a percepção de tempo de pessoas autistas. Muitas pessoas autistas relatam dificuldades relacionadas ao tempo,...

ler mais
Compreensão de fala: dependência simultânea de pistas

Compreensão de fala: dependência simultânea de pistas

Compreensão de fala: dependência simultânea de pistas A pesquisa auditiva moderna identificou a capacidade dos ouvintes de segregar fluxos de fala simultâneos com uma dependência de três principais pistas, a saber: são a estrutura harmônica da fala, a localização do...

ler mais
Crianças e dificuldades auditivas

Crianças e dificuldades auditivas

Crianças e dificuldades auditivas: respostas cerebrais ao tom de voz podem oferecer respostas Crianças frequentemente precisam se comunicar em ambientes com ruídos e ecos que distraem. Esses ambientes representam um grande desafio, especialmente para aquelas com perda...

ler mais
O envelhecimento e o córtex pré-frontal

O envelhecimento e o córtex pré-frontal

O córtex pré-frontal e seu risco durante o envelhecimento Durante a evolução “ganhamos” o córtex pré-frontal, mas ele está em maior risco durante o envelhecimento. O grande córtex pré-frontal, que nos proporciona vantagens evolutivas e cognitivas em relação aos...

ler mais
O ruído, o silêncio e a aprendizagem

O ruído, o silêncio e a aprendizagem

O ruído, o silêncio e a aprendizagem O ruído está em todos os lugares, restaurantes, ginásios de esporte, sejam abertos ou fechados, shows, auditórios e tantos outros que você possa imaginar. Infelizmente, o ruído também está presente nas salas de aula. Entretanto,...

ler mais
Ruído branco indutor de sono para recém-nascidos?

Ruído branco indutor de sono para recém-nascidos?

Ruído branco indutor de sono para recém-nascidos: mocinhos os vilões? Sempre achei fantástico pensar que a audição não pode ser desligada, não funciona como a visão que, caso não queríamos ver determinada cena, simplesmente fechamos os olhos e eliminamos a indesejada...

ler mais
Nipah vírus, a volta daquele que nunca se foi

Nipah vírus, a volta daquele que nunca se foi

Nipah vírus, a volta daquele que nunca se foi Antes de entendermos a nova presença do vírus, vamos entender o que é o Nipah Vírus. O Nipah Vírus é transportado por morcegos frugívoros, conhecidos como raposas voadoras. A descoberta desse vírus ocorreu em 1999 após um...

ler mais

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *