Máquina capaz de ler a mente? Elas estão mais próximas do que imaginávamos
Está chegando ao fim a nossa privacidade mental? Alguns neurocientistas dizem que caminhamos a passos largos nessa direção. Pesquisadores desenvolveram o primeiro método não invasivo de determinar qual é a essência da fala imaginada, auxiliando, dessa forma, as pessoas que não podem falar. Calma, a exatidão em decifrar “o pensamento” ainda é imprecisa e, caso ganhem a precisão desejada, como garantir que essa revolução não seja mal utilizada? Ainda é necessário buscar a resposta, mas a leitura da mente está mais perto do que podemos imaginar.
A grande maioria das tecnologias existentes, até o momento, usa implantes cerebrais que fazem o monitoramento da atividade cortical motora prevendo quais são as palavras, ou melhor, quais são os arranjos de movimento que os órgãos fonoarticulatórios devem fazer para alcançar a emissão almejada.
Os cientistas da computação Alexander Huth e Jerry Tang, ambos da Universidade do Texas em Austin, a fim de compreender o real significado que permeia o pensamento, utilizaram a combinação da ressonância magnética funcional (RMF) com a inteligência artificial (IA), algoritmos chamados modelos de linguagem grandes, que fazem a base ou fundamentação de ferramentas, tais como o ChatGPT, que são alimentados e treinados para prever a próxima palavra em um contexto específico.
Na Nature Neuroscience publicada em primeiro de maio (2023), foi divulgado um estudo realizado com 3 voluntários. O teste foi realizado nas seguintes etapas, a saber:
1 – Colocação dos voluntários em um scanner RMF
2 – Registro da atividade cerebral dos voluntários enquanto ouviram 16 horas de podcast
3 – Medição do fluxo sanguíneo cerebral dos indivíduos e integração dessa informação aos detalhes da história ouvida e a capacidades dos modelos de linguagem em entenderem como as palavras se relacionam
4 – Com as informações colhidas, desenvolveram um mapa codificado de como o cérebro de cada pessoa responde a diferentes palavras e frases.
5 – Registro da atividade cerebral dos voluntários, através da RMF, enquanto eles ouviam uma história, imaginavam contar uma história ou assistiam a um filme mudo.
6 – Utilizando combinação de padrões coletados para cada indivíduo e algoritmos que determinam como uma frase tem maior probabilidade de ser construída, baseada em outras palavras, os pesquisadores buscaram decodificar essa nova atividade cerebral.
Com esses dados armazenados o decodificador gerava frases que captavam a essência do que a pessoa estava pensando. As frases, até esse momento, não são exatas, mas muito próximas em seu significado. Por exemplo: a frase “ainda não tenho carteira de motorista” foi decodificada como “ainda nem começou a aprender a dirigir”. A precisão também foi alta na descrição das pessoas vendo os filmes. Entretanto, nem todas as sentenças produzidas foram tão exatas.
Como a mente humana está muito a frente das máquinas, ela é capaz de enganar o sistema de maneira bastante simples. Quando o voluntário pensava em uma história diferente enquanto ouvia uma história gravada, o decodificador não foi capaz de determinar as palavras que estavam sendo ouvidas. Para complicar mais um pouco, o mapa decodificado também diferiu entre os sujeitos. Desta forma, os pesquisadores ainda não conseguiram criar um decodificador que funcionasse com todos.
E esse trabalho não será simples; muito pelo contrário, ficará ainda mais difícil desenvolver um decodificador universal à medida que os pesquisadores criarem mapas corticais mais detalhados dos cérebros dos indivíduos.
Em tempos onde estamos discutindo os limites de cada um e os limites da tecnologia (nota para o futuro, a PL 2630 – Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet está em votação), é importante termos em mente que o desenvolvimento de tecnologias sofisticadas e não invasivas como esta parece estar mais próximo no horizonte do que podemos esperar. Não será fácil, já que determinar como cérebro cria significado a partir da linguagem é extremamente difícil. Impossível? Os cientistas dizem que não.
Atualmente, a tecnologia é muito difícil de usar, já que ninguém anda com uma máquina de ressonância magnética embaixo dos braços, o que torna muito difícil escanear o cérebro de outra pessoa sem sua cooperação. Outra questão discutida é o quanto vale gastar tempo e dinheiro em saber o que cada um pensa se a finalidade não seja, única e exclusivamente, para restaurar as habilidades de comunicação. Eu tenho minhas dúvidas, mas esse é outro assunto.
Atualmente, o sistema de decodificação, AINDA, não pode ser aplicado entre indivíduos e as pessoas podem enganá-lo, simplesmente pensando em outras coisas, sendo essa uma demonstração clara de quanto livre arbítrio temos de fato.
Como toda tecnologia, devemos estar atentos a ela, pois ainda que o decodificador não funcione adequadamente ele pode criar problemas, sobretudo se tribunais o utilizarem sem entender ou entendendo e distorcendo seu uso. Veja a seguinte situação ocorrida na pesquisa: a frase ”Acabei de pular [do carro]” foi decodificada pelo sistema como “tive que empurrá-lo para fora do carro”. A ação final é a mesma, sair do carro? Sim, mas as diferenças são imensas em um caso legal.
Acho que a frase final dessa pesquisa deveria ser: “Tecnologia, use com consciência, ética e respeito”.
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