Molnupiravir: seu uso em discussão
O molnupiravir, medicamento desenvolvido pela gigante farmacêutica Merck considerado um divisor de águas no tratamento da COVID-19 perdeu seu brilho, segundo publicação de 07/01/2023 da revista Nature. Em 13 de dezembro de 2021 a mesma revista publicou um artigo enfatizando que os dados completos de ensaios clínicos mostraram eficácia abaixo do esperado. No Brasil, o medicamento teve seu uso emergencial aprovado em 04/05/2022. Os órgãos reguladores nos Estados Unidos e no Reino Unido a autorização aconteceu no final de 2021 e na Austrália no início de 2022.
O molnupiravir funciona introduzindo várias mutações no genoma viral, auxiliando na extinção da infecção. Ele imita alguns dos blocos de construção do RNA, o material genético do SARS-CoV-2. A droga estimula o genoma viral com mutações que se somam para tornar o SARS-CoV-2 pior na replicação. Isso resulta em uma redução acentuada nos níveis de SARS-CoV-2 em células humanas infectadas. Entretanto, um estudo com mais de 13 milhões de sequências do SARS-CoV-2 descobriu sequências que carregam as impressões digitais do molnupiravir. Os autores do estudo dizem que os resultados sugerem que o tratamento com molnupiravir desencadeou a evolução de linhagens virais portadoras de numerosas mutações que, pelo menos em alguns casos, têm a capacidade de se espalhar para outros indivíduos. Segundo o virologista Jesse Bloom do Fred Hutchinson Center de Seattle, Washington, esse fato deve ser motivo de preocupação, sendo uma questão em aberto pois as mutações no genoma do SARS-CoV-2 podem ajudar o vírus a escapar da imunidade e se tornar mais transmissível.
Essas preocupações eram em grande parte teóricas até que Ryan Hisner, um professor americano que faz parte de uma comunidade de observadores de variantes do SARS-CoV-2, começou a perceber padrões peculiares no sequenciamento de dados de todo o mundo: várias linhagens carregavam muito mais mutações do que seus parentes mais próximos. A maioria das alterações genéticas foi do tipo induzida por molnupiravir.
A análise das sequências globais pelos pesquisadores mostrou que a prevalência das linhagens suspeitas aumentou substancialmente em 2022, o primeiro ano em que o molnupiravir foi amplamente utilizado. As linhagens também eram muito mais propensas a aparecer em dados de sequenciamento de países onde a droga era usada – Estados Unidos, Reino Unido e Austrália – do que em dados de países que não a aprovaram, como França e Canadá.
As evidências que ligam o molnupiravir às sequências com muitas mutações são “circunstanciais”, disse a Merck em um comunicado. “Os autores assumem que essas mutações foram associadas ao tratamento com molnupiravir sem evidências de que as sequências virais foram isoladas dos pacientes tratados”.
Os pesquisadores defendem que o tratamento com molnupiravir está produzindo alguns vírus altamente mutantes com capacidade de se espalhar. Mas não está claro se isso pode contribuir para novas variantes de coronavírus ou se está simplesmente criando vírus fracos que provavelmente não se espalharão muito longe. “O SARS-CoV-2 já está gerando muitas mutações, mesmo na ausência de tratamento medicamentoso”, acrescenta.
Rustem Ismagilov, biocientista quantitativo do Instituto de Tecnologia da Califórnia em Pasadena, diz que o estudo ressalta a necessidade de medir rapidamente qualquer risco que o molnupiravir represente em termos de desencadear novas variantes e pesá-los em relação aos benefícios da droga. “Se estamos jogando roleta russa, é melhor sabermos nossas chances.”
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