O “cérebro online”: o impacto da internet na estrutura e no funcionamento cerebral
Hoje é impossível para a grande maioria das pessoas imaginarem a vida sem acesso à Internet e o impacto que ela tem em vários aspectos da sociedade moderna é claro. Mas como ela pode influenciar na estrutura e no funcionamento do nosso cérebro? Como a internet pode estar mudando nossa cognição? Como ela influencia a nossa capacidade de atenção? O fluxo de informações online em constante evolução incentiva nossa atenção dividida em várias fontes de mídia, às custas da concentração sustentada. Como a internet se relaciona os processos de memória?
Essa vasta e onipresente fonte de informações online começa a mudar a maneira como recuperamos, armazenamos e até valorizamos o conhecimento. Como nossa vida social mudou? A capacidade de configurações sociais online se assemelharem e evocarem processos sociais do mundo real cria uma nova interação entre a Internet e nossas vidas sociais, incluindo nossos autoconceitos e autoestima. No geral, as evidências disponíveis indicam que a Internet pode produzir alterações agudas e sustentadas em cada uma dessas áreas da cognição, o que pode ser refletido em mudanças no cérebro.
A Internet é a tecnologia mais difundida e rapidamente adotada na história da humanidade. Em apenas algumas décadas, o uso da Internet reinventou completamente as maneiras pelas quais buscamos informações, consumimos mídia e entretenimento e gerenciamos nossas redes sociais e relacionamentos. Com o advento ainda mais recente dos smartphones, o acesso à Internet se tornou portátil e onipresente a ponto de a população do mundo desenvolvido poder ser considerada “online”.
O impacto que esse novo canal de conexão, informação, comunicação e tempo de tela está tendo em nossos cérebros e funcionamento cognitivo não está claro. Antes da Internet, um grande corpo de pesquisa demonstrou de forma convincente que o cérebro é um tanto maleável às demandas e estímulos ambientais, particularmente no que diz respeito ao aprendizado de novos processos, devido à sua capacidade de neuroplasticidade. Vários cenários foram observados para induzir mudanças de longo prazo na arquitetura neuronal do cérebro humano, incluindo aquisição de segunda língua, aprendizado de novas habilidades motoras (como malabarismo) e até mesmo educação formal ou preparação para exames.
O uso generalizado da Internet em todo o mundo introduziu, para muitos, a necessidade e a oportunidade de aprender uma miríade de novas habilidades e maneiras de interagir com a sociedade, o que pode trazer mudanças neurais. Como exemplo, até mesmo interações simples com a Internet por meio da interface touchscreen do smartphone demonstraram trazer alterações neurocognitivas sustentadas devido a mudanças neurais em regiões corticais associadas ao processamento sensorial e motor da mão e do polegar. Além disso, a Internet também apresenta uma nova plataforma para a aprendizagem quase infinita de novas informações e processos complexos, relevantes tanto para o mundo online como off-line.
Junto com mecanismos de neuroplasticidade, outros fatores ambientais e biológicos também podem causar mudanças na estrutura e função do cérebro, resultando em declínio cognitivo. Em amostras de envelhecimento, por exemplo, há evidências que indicam que o declínio cognitivo relacionado à idade pode ser parcialmente motivado por um processo de atrofia. Alguns estudos mostraram que adotar um estilo de vida menos envolvente ao longo da vida pode acelerar a perda da função cognitiva, devido à menor “reserva cognitiva” (a capacidade do cérebro de suportar insultos da idade e/ou patologia).
Algumas evidências emergentes indicam que se desligar do “mundo real” em favor de ambientes virtuais pode induzir de forma semelhante mudanças neurocognitivas adversas. Por exemplo, um recente ensaio clínico randomizado descobriu que seis semanas de envolvimento em um RPG online causaram reduções significativas na massa cinzenta dentro do córtex orbitofrontal – uma região do cérebro implicada no controle de impulsos e na tomada de decisões. No entanto, o estudo não abordou até que ponto esses resultados eram específicos para jogos online, em vez do uso geral da Internet.
Isso levanta a possibilidade de que vários tipos de uso da Internet possam afetar diferencialmente o cérebro e os processos cognitivos – tanto de maneiras adversas quanto benéficas. Isso pode ser de particular relevância para o desenvolvimento dos cérebros de crianças e adolescentes, já que muitos processos cognitivos (particularmente aqueles relevantes para funções executivas superiores e cognição social) não são inteiramente inatos, mas são fortemente influenciados por fatores ambientais.
A Internet ocupa grande parte da atenção diária, com muitos adultos conectados regularmente e uma parcela significativa online “quase constantemente”. Jovens, especialmente os chamados “nativos digitais”, que cresceram em um mundo conectado, estão entre os que mais usam a Internet, com 95% dos adolescentes americanos possuindo smartphones e 45% conectados quase o tempo todo. A expansão do acesso, especialmente em países de baixa renda, ajudou a reduzir a exclusão digital.
A Internet tornou-se essencial na educação, trabalho, comércio e lazer, oferecendo conteúdos variados e cativantes. Contudo, seu design favorece mecanismos que prendem a atenção, promovendo conteúdos mais atraentes e ignorando os menos eficazes. Grandes empresas de tecnologia também têm sido criticadas por explorar intencionalmente o potencial viciante da Internet, priorizando engajamento em detrimento do bem-estar dos usuários.
A Internet tem um impacto significativo na atenção e memória humana, influenciando processos cognitivos de maneiras complexas. Quanto a “Atenção e Multitarefa de Mídia”, o uso constante da Internet, com notificações e hiperlinks, incentiva a multitarefa de mídia, levando a uma atenção superficial. Estudos mostram que indivíduos que praticam multitarefa de mídia frequentemente apresentam pior desempenho em tarefas cognitivas, incluindo atenção sustentada e troca de tarefas, devido à maior suscetibilidade a distrações. Em crianças e adolescentes, a multitarefa de mídia pode prejudicar o desenvolvimento cognitivo, impactando a atenção e reduzindo o envolvimento acadêmico e social.
A memória se tornou, de certa maneira, dependente da Internet, pois ela age como uma forma de memória transativa, onde as pessoas dependem mais de saber onde buscar informações do que de memorizar os fatos em si. Estudos indicam que a dependência da Internet para informações reduz o armazenamento de memória de longo prazo e pode criar uma ilusão de conhecimento maior do que o real.
Apesar disso, o uso da Internet pode liberar recursos cognitivos para tarefas mais complexas e melhorar a eficiência na busca de informações. Mas como tudo, a internet tem impactos Cognitivos Positivos e Negativos, há evidências de que a dependência da Internet pode levar a ganhos em eficiência, conectividade cerebral e desempenho em certas tarefas. Por outro lado, a facilidade de acesso à informação promove a “preguiça cognitiva” e pode reduzir habilidades analíticas e memória espacial.
A Internet é, portanto, um “super estímulo” que transforma a maneira como aprendemos, armazenamos e valorizamos o conhecimento, trazendo tanto desafios quanto oportunidades cognitivas.
As redes sociais online transformaram as interações humanas, mesclando os mundos online e off-line, com impacto significativo em aspectos globais e individuais, como a Primavera Árabe e a sociabilidade cotidiana. Estudos indicam que a motivação para o uso de redes online reflete desejos humanos por conexão social, mas há diferenças na forma como o cérebro processa essas interações em comparação ao mundo real. Tanto redes online quanto off-line tem relações com o volume da amígdala, essencial para a cognição social. As redes online excluem maior memória associativa (como pares nome-rosto), ativando áreas específicas, como o córtex entorrinal.
Apesar das diferenças, os padrões fundamentais de redes sociais humanas (150 conexões em média, estrutura hierárquica de 5 camadas) permanecem consistentes, online e off-line. Restrições de atenção e tempo moldam tanto interações online quanto off-line, regulando o número e a qualidade das conexões. Padrões semelhantes de sociabilidade são encontrados em redes animais e modelos computacionais, indicando que fatores básicos governam as interações.
As redes sociais online oferecem um ambiente único, mas com estrutura e limites fundamentais com redes off-line. O estudo dessas semelhanças e diferenças é crucial para entender e prever impactos sociais mais amplos. As redes sociais online ampliam padrões de sociabilidade humana, mas alteram regras tradicionais, com impactos positivos e negativos. Elas representam um “novo campo de jogo para o mesmo jogo” da sociabilidade humana. Embora compartilhem respostas neurocognitivas semelhantes às interações off-line (como a excluída ativando áreas relacionadas à cognição social), essas plataformas apresentam novas dinâmicas, com implicações tanto positivas quanto negativas.
O feedback passou a ser quantificado, métricas como “curtidas” e “seguidores” podem promover dependência e afetar a autoestima, especialmente em jovens vulneráveis. As comparações sociais passaram a ser extremas, pois a exposição constante a padrões idealizados pode levar a baixa autoimagem, ansiedade e depressão, especialmente entre adolescentes. Com isso, os efeitos na saúde mental pelo uso excessivo de redes sociais levando a maiores taxas de depressão, ansiedade e risco de suicídio, fatores como sono e sedentarismo também contribuem.
Mas nem tudo é negativo, podemos levantar novos pontos positivos para a saúde mental, as redes sociais podem ser usadas para suporte emocional, orientações personalizadas e identificação de riscos (como tendências suicidas), utilizando tecnologias avançadas como aprendizado de máquina. As intervenções iniciais mediadas pelas mídias sociais podem apoiar melhorias clínicas e sociais, mas desafios como altos índices de abandono e falta de integração nos serviços de saúde mental permanecem.
Uma coisa é certa, a Internet, cada vez mais integrada ao cotidiano, está moldando nossos processos cognitivos e sociais de maneiras profundas, mas os efeitos de longo prazo ainda são pouco compreendidos. O fluxo constante de informações incentiva a alternância de atenção, dificultando o foco sustentado, especialmente em crianças e adolescentes. Estudos mostram que o uso frequente da Internet pode impactar níveis de desenvolvimento cerebral e aumentar a inteligência verbal.
A Internet oferece acesso rápido a informações, alterando processos de memória tradicionais e promovendo a “cognição online”. Em adultos mais velhos, isso pode mitigar o declínio cognitivo e até melhorar as funções neurais com ferramentas como jogos e busca na web. Jovens enfrentam maior vulnerabilidade a distrações e efeitos adversos, enquanto adultos mais velhos podem se beneficiar de estímulos cognitivos e sociais fornecidos pela Internet.
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