O sabemos sobre a mente dos bebês?

bebês

Escrito por Sigla Educacional

14 de abril de 2025

O que você sabe sobre a mente dos bebês? Quer saber o que a ciência já descobriu?

Faço aqui uma resenha do artigo de autoria de Caroline Campos Rodrigues da Silva e Maria Regina Maluf “O que sabemos sobre a mente dos bebês? Uma revisão de literatura” publicado em 2024 na Revista Escolar e Educacional – https://doi.org/10.1590/2175-35392024-258729

Nas últimas décadas, as pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo, emocional e social dos bebês avançaram significativamente, impulsionadas por novas tecnologias como imagens cerebrais e rastreamento ocular. Estudiosos reconhecem que o bem-estar emocional e social dos bebês está profundamente ligado ao seu desenvolvimento intelectual. Desde muito cedo, os bebês demonstram ser aprendizes ativos, interagindo com o ambiente e com os cuidadores de forma intencional, especialmente por meio do olhar e de gestos, o que fortalece vínculos e estimula suas capacidades cognitivas.

Estudos indicam que os bebês apresentam uma forte inclinação social, preferindo rostos humanos a outros estímulos e respondendo especialmente aos olhos. Pesquisas sobre imitação e atenção conjunta revelam que a compreensão social dos bebês é mais sofisticada do que se pensava, com sinais precoces de percepção dos estados mentais alheios. As neurociências mostram que o cérebro humano é naturalmente social, e mesmo os recém-nascidos possuem um repertório inato de habilidades cognitivas moldado pela evolução, ainda que nem sempre visível em seus primeiros comportamentos.

Esse corpo crescente de conhecimento levou à ampliação das pesquisas sobre a Teoria da Mente (ToM) em bebês, focando especialmente na compreensão de crenças falsas. Tradicionalmente estudada em crianças maiores com domínio da linguagem oral, a ToM passou a ser investigada também em bebês, graças a métodos inovadores que não exigem fala, como o eye tracking. Essa linha de pesquisa busca entender quando a criança passa a reconhecer que outras pessoas podem ter crenças diferentes ou equivocadas, habilidade essencial para a convivência social e para a empatia.

As buscas foram realizadas nas bases de dados Science Direct, Scielo e PsycInfo, utilizando descritores relacionados à teoria da mente e desenvolvimento infantil precoce, combinados com operadores booleanos. No total, foram identificados 399 artigos, sendo 307 da PsycInfo, 78 da Science Direct e 14 da Scielo.

Foram incluídas apenas pesquisas com bebês de 0 a 36 meses, com desenvolvimento típico e em fase pré-verbal, publicadas entre 2010 e 2017 em português, inglês, francês ou espanhol. Estudos longitudinais foram considerados apenas se incluíssem instrumentos apropriados ao nível linguístico dos bebês.

Após análise dos títulos e resumos, 70 artigos foram selecionados para leitura completa. Desse total, após exclusão de duplicatas e artigos em idiomas fora dos critérios, restaram 63. A análise temática inicial permitiu a seleção final de 26 estudos, todos em inglês, divididos em três categorias: (A) emergência da ToM e mecanismos de aprendizagem (n=13); (B) compreensão de crença falsa em bebês (n=8); e (C) influência do cuidado parental no desenvolvimento da ToM (n=5).

A análise das pesquisas permitiu integrar novos conhecimentos sobre como bebês desenvolvem representações mentais, atribuem crenças e como fatores como o cuidado parental influenciam esse processo. No campo teórico, os estudos foram organizados em três grupos principais: identificação de sistemas de desenvolvimento da ToM, papel da aprendizagem estatística e influência da evolução cultural. Diversos pesquisadores propuseram modelos explicativos distintos para a emergência da Teoria da Mente (ToM) nos primeiros anos de vida.

Um grupo de autores, como Butterfill e Apperly (2013), defende a existência de dois sistemas distintos: um sistema inicial mais eficiente, porém limitado, e outro mais flexível que se desenvolve com a maturação cognitiva e o uso da linguagem. Outros pesquisadores, como Carruthers (2015), criticam essa visão dicotômica, argumentando que há um único sistema que evolui gradualmente, apoiado por conceitos primitivos e pela interação com outras capacidades mentais, como memória e funções executivas. Esse ponto de vista rejeita a analogia com o desenvolvimento numérico, apontando que a ToM se desenvolve de maneira mais natural e universal.

Por sua vez, outros teóricos como Christensen e Michael (2016), e Kóvacs et al. (2017), propõem modelos integrativos ou cooperativos, nos quais múltiplos sistemas interagem para sustentar a ToM, e argumentam contra a separação rígida entre modos implícitos e explícitos de inferência mental. Sodian (2011) complementa esse debate com evidências de que bebês já atribuem intenções no primeiro ano de vida e, possivelmente, desenvolvem uma ToM representacional mais cedo do que se pensava. Em geral, os estudos indicam consenso quanto à existência precoce de habilidades relacionadas à ToM, mas também reconhecem a necessidade de mais pesquisas para entender como essas capacidades se estruturam e evoluem em interação com o ambiente social.

Aprendizagem estatística e evolução cultural da Teoria da Mente (ToM)

Aprendizagem estatística:

Pesquisadores como Gopnik e Wellman (2012) propõem que bebês desenvolvem *teorias intuitivas* sobre suas mentes e as dos outros, utilizando raciocínio probabilístico (como o modelo Bayesiano) para ajustar suas crenças com base em evidências. Assim, mesmo que crianças pequenas ainda não dominem todos os conceitos para entender plenamente a crença falsa, já constroem representações parciais interligadas.

Ruffman (2014) destaca três fatores fundamentais para a aquisição da ToM: a aprendizagem estatística inata de padrões comportamentais, o interesse precoce por estímulos sociais (como rostos e fala), e o uso de verbos mentais pelos cuidadores nas interações cotidianas. Ele defende que a compreensão de estados mentais surge gradualmente, a partir da observação do comportamento.

Vierkant (2012), por sua vez, argumenta que a linguagem verbal não é o único indicativo de consciência sobre estados mentais — ações intencionais também são relevantes nesse processo.

Evolução cultural:

Heyes e Frith (2014) sugerem que a ToM explícita é culturalmente transmitida, comparável à alfabetização. Enquanto a ToM implícita não exige controle executivo e pode ter base genética, a ToM explícita depende de instruções verbais e interação social para ser desenvolvida.

Carmiol (2012) propõe uma sequência de desenvolvimento da intenção compartilhada: desde o reconhecimento de agentes intencionais nos primeiros meses de vida, até a compreensão de metas e ações representadas mentalmente. Por volta dos 4 anos, a criança desenvolve *intenção coletiva*, permitindo a internalização das normas culturais.

Wang e Leslie (2016) identificam sinais de compreensão implícita da crença falsa em crianças muito pequenas, mas concluem que ainda não há provas suficientes para confirmar que esses comportamentos refletem uma ToM genuína.

A emergência da crença falsa em bebês e o papel do cuidado parental no desenvolvimento da Teoria da Mente (ToM):

Emergência da crença falsa em bebês:

Estudos indicam que bebês demonstram sinais precoces de compreender crenças falsas:

– Southgate & Vernetti (2014): Bebês antecipam ações com base na perspectiva do outro, sem necessariamente julgar a veracidade da crença.

– Luo (2011): Bebês de 10 meses reconhecem crenças falsas de agentes em relação à presença de objetos.

– Buttleman et al. (2014): Bebês de 18 meses atribuem crenças falsas sobre identidade de objetos e usam isso para prever ações.

– Fizke et al. (2017): Embora crianças pequenas realizem algumas tarefas de crença falsa, enfrentam limitações em tarefas mais complexas, apoiando a teoria dos dois sistemas.

– Yott & Poulin-Dubois (2012): Resultados desafiam tanto a visão comportamental quanto a teoria dos dois sistemas, sugerindo envolvimento cognitivo na resolução das tarefas.

– Priewasser et al. (2017): Apontam que bebês agem com base em objetivos percebidos (raciocínio teleológico), sem inferir estados mentais.

– Crivello & Poulin-Dubois (2018): Não conseguiram replicar resultados anteriores de sucesso em tarefas de crença falsa com bebês de 18 meses.

– Wiesmann et al. (2017): Apenas crianças de 4 anos mostraram compreensão clara de crença falsa em tarefas com rastreamento ocular.

Implicações do cuidado parental na ToM:

O ambiente social e as práticas parentais são fundamentais para o desenvolvimento da ToM:

– Brink, Lane & Wellman (2015): Conversas sobre estados mentais entre mães e filhos favorecem a cognição social.

– Meins et al. (2013): A “orientação mental” dos pais (tratar o bebê como um agente mental) está associada a melhor desempenho em tarefas de ToM.

– Laranjo et al. (2010, 2014): Comentários mentais apropriados das mães aos 12 meses preveem melhor compreensão da ToM e da crença falsa aos 4 anos.

Portanto, há evidências de que bebês têm uma sensibilidade precoce a perspectivas alheias e objetivos, embora a compreensão completa de crenças falsas pareça emergir mais claramente entre os 3 e 4 anos. A interação social e a forma como os cuidadores se comunicam com os bebês são elementos cruciais para esse desenvolvimento.

A revisão demonstrou que bebês podem ter sucesso em tarefas de atribuição de estados mentais, sugerindo capacidades mais avançadas do que se supunha. No entanto, as interpretações sobre esse sucesso ainda divergem, em especial quanto ao que se entende por Teoria da Mente (ToM): alguns a veem como um resultado consolidado, outros como um processo em desenvolvimento.

Apesar das diferentes abordagens teóricas (multi-sistema, dois sistemas ou sistema único), há consenso de que a ToM é uma habilidade que se desenvolve gradualmente, influenciada por fatores sociais, linguagem e controle executivo.

Os estudos destacam a importância do cuidado parental, especialmente o uso de verbos mentais, como um facilitador no desenvolvimento da ToM.

A emergência da crença falsa tem sido foco recorrente nas pesquisas, apontando para a necessidade de investigações transculturais. No entanto, nota-se a escassez de estudos brasileiros sobre o tema em bebês, possivelmente devido a questões metodológicas ou terminológicas, como a ambiguidade do termo “bebê” em português.

Por fim, reforça-se a relevância de ampliar essa linha de pesquisa no Brasil, especialmente considerando as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular para o desenvolvimento infantil na creche.

 

Link: https://www.scielo.br/j/pee/a/gMV935THTt6kbnZ6pFbwXbk/

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