Ocrelizumabe subcutâneo: evidências do OCARINA II e implicações para o Brasil no tratamento da Esclerose Múltipla
Ocrelizumabe é um anticorpo monoclonal anti-CD20 aprovado há tempo para o tratamento de formas remitente-recorrente (EMRR) e primária progressiva (EMPP) de esclerose múltipla, via administração intravenosa. Uma limitação prática desse regime IV reside em requisitos de infraestrutura hospitalar, tempo de infusão, deslocamentos dos pacientes e custos associados. A formulação subcutânea (SC), recentemente avaliada no estudo OCARINA II, surge como alternativa que pode manter eficácia e segurança semelhantes, mas com maior conveniência operativa.
O OCARINA II é um ensaio clínico randomizado, aberto (open-label), de fase 3 (registro NCT05232825), com pacientes com EM, tanto remitente-recorrente quanto primária progressiva, de 18 a 65 anos, com grau de incapacidade (Expanded Disability Status Scale, EDSS) entre 0 e 6,5. Os participantes eram naïve ao ocrelizumabe. O desenho envolveu dois braços principais: um braço iniciou com ocrelizumabe IV 600 mg seguido de SC 920 mg (IV/SC), e outro braço com SC 920 mg desde o início (SC/SC). Após o período inicial de comparação, ambos os braços continuaram com 920 mg SC a cada 24 semanas, até 96 semanas no total.
O desfecho primário foi a exposição sistêmica ao fármaco avaliada pela área sob a curva de concentração sérica-tempo (AUC) do dia 1 à semana 12 (AUC₍W1-12₎). Outros desfechos incluíram: exposição ao longo do tempo (AUC até semana 24), biomarcadores, eficácia clínica, lesões de ressonância magnética, depleção de células B, níveis séricos de neurofilamento light chain, segurança e tolerabilidade.
O OCARINA II demonstrou que a formulação subcutânea de 920 mg é não inferior à via intravenosa de 600 mg em termos de AUC de dia 1 a semana 12. As razões médias geométricas das AUCs (SC vs IV) para W1-12 e para o período até W1-24 ficaram em torno de 1,29 (IC 90%: 1,23-1,35) e 1,27 (IC 90%: 1,21-1,34), respectivamente.
Quanto à atividade clínica e de ressonância magnética, os dados até 48 semanas mostraram supressão quase completa da atividade inflamatória: ausência de novas lesões T1 com gadolínio, quase nenhuma nova ou aumentada lesão T2, taxa anualizada de recaída muito baixa, e diminuição do biomarcador de neurofilamento light chain, compatível entre os braços.
O perfil de segurança foi consistente com o já conhecido da via intravenosa. Os eventos adversos mais comuns na via SC foram reações locais de injeção, geralmente leves ou moderadas, que tenderam a diminuir com o tempo de uso. Não foram observados novos sinais de segurança relevantes. A depleção de células B foi rápida e sustentada em ambos os regimes.
Segundo reportagem recente do Medscape, a fórmula subcutânea do ocrelizumabe já foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no Brasil. Os dados do OCARINA II forneceram suporte para essa decisão, mostrando equivalência farmacocinética, eficácia inflamatória e aceitável perfil de segurança comparado à IV.
A tecnologia usada para administração SC envolve o uso de hialuronidase recombinante humana PH20 (rHuPH20), que facilita a dispersão e absorção do fármaco no tecido subcutâneo, ao degradar temporariamente o hialuronano no local da injeção, aumentando a permeabilidade intersticial.
Potencial impacto na ampliação de acesso no Brasil
A disponibilidade de ocrelizumabe por via subcutânea pode trazer avanços importantes no sistema de cuidado da EM no Brasil. Primeiramente, reduz-se a dependência de infraestrutura para infusão IV, o que é particularmente relevante em regiões afastadas ou com menor capacidade hospitalar. A administração subcutânea, com tempo de aplicação (injeção) muito inferior ao das infusões IV, pode facilitar a logística clínica e reduzir custos operacionais (tempo de sala, personal especializado, deslocamentos).
Além disso, a via SC pode melhorar a adesão terapêutica, pela menor intrusão no cotidiano do paciente, menor tempo de tratamento e menor necessidade de deslocamentos frequentes. Isso pode ser especialmente útil no acesso pelo Sistema Único de Saúde (SUS), onde estrutura de infusão pode ser limitada fora dos grandes centros.
Embora os dados sejam promissores, algumas questões permanecem a serem esclarecidas. O estudo é aberto, não cego, o que pode introduzir vieses; entretanto, os desfechos principais são farmacocinéticos e objetivos, o que reduz esse risco. A duração do acompanhamento até o momento (48-96 semanas) permite observações iniciais, mas ainda se necessitará de dados de longo prazo para avaliar progressão de incapacidade, efeitos adversos raros ou cumulativos, e eficácia em diferentes subgrupos populacionais do Brasil, considerando diversidade genética, comorbidades, condições logísticas.
Adicionalmente, embora a segurança local tenha mostrado perfil aceitável, reações locais podem ser mais frequentes na via SC; será importante monitorar aceitação, conforto do paciente e gerenciamento dessas reações no contexto real. Os custos da nova formulação e seu impacto no custo-efetividade no Brasil também deverão ser avaliados, inclusive comparando custo de aquisição, transporte, administração e possíveis economias de infraestrutura.
Portanto, o estudo Phase 3 OCARINA II demonstra que ocrelizumabe subcutâneo 920 mg a cada 24 semanas é não inferior à formulação intravenosa de 600 mg em termos de exposição sistêmica, com eficácia clínica e radiológica muito semelhante, e perfil de segurança compatível. A aprovação no Brasil dessa variante SC representa uma oportunidade significativa de ampliar o acesso ao tratamento da esclerose múltipla, especialmente em regiões com menor capacidade para infusões IV ou com dificuldades de deslocamento.
Para consolidar seus benefícios, é necessário acompanhamento em prática real, avaliação de impacto em custo, adesão, aceitabilidade e eficácia de longo prazo, bem como garantias de que pacientes brasileiros tenham acesso equitativo a essa nova opção terapêutica.
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