Tem louco para tudo nesse mundo e eu posso provar
Um estudo, um tanto ousado, que utilizou como amostra pessoas que foram intencionalmente infectadas com SARS-CoV-2, forneceu dados bastante ricos sobre a transmissão viral, apontando, dentre outros achados, que algumas pessoas podem ser consideradas super-transmissores do vírus, já que expelem muitos mais vírus do que outros.
O controverso “estudo de desafio” foi realizado no Reino Unido. Os cientistas responsáveis pela pesquisa infectaram deliberadamente voluntários com o vírus que causa a COVID-19. Embora a abordagem tenha atraído oposição, o estudo produziu alguns dados de extrema importância para saúde pública, como se a gravidade dos sintomas se correlaciona com o quão contagiosas as pessoas são e se os testes caseiros de COVID-a9 podem desempenhar um papel na redução da propagação viral.
Os resultados destacam como a gravidade e o contágio da doença variam de forma ampla e imprevisível entre as pessoas. “E é essa variabilidade entre os humanos que tornou esse vírus tão difícil de controlar”, diz a médica infectologista Monica Gandhi, da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que não participou do trabalho. O estudo, publicado em 9 de junho no Lancet Microbe, também sugere que a fisiologia humana, e não o vírus, é a culpada por parte da inconsistência do COVID-19.
Os pesquisadores inocularam 34 participantes jovens saudáveis esguichando uma quantidade conhecida de partículas virais em seus narizes. Dezoito desenvolveram infecções e passaram pelo menos 14 dias confinados em quartos de hospital. Diariamente, os pesquisadores mediram os níveis virais no nariz e na garganta, nas mãos dos participantes. O ar e várias superfícies das salas também tiveram o nível viral avaliado.
Os sintomas e a gravidade do COVID-19 adquirido naturalmente podem variar dependendo da via de transmissão, cepa viral e quanto vírus uma pessoa foi exposta. Mas no estudo de desafio, foi tudo controlado, diz a pesquisadora de doenças infecciosas Anika Singanayagam, do Imperial College London, coautora do artigo.
Dos 18 participantes que desenvolveram infecções, 2 eliminaram 86% do vírus transmitido pelo ar detectado ao longo de todo o estudo – embora ambos apresentassem apenas sintomas leves. Pesquisas anteriores forneceram evidências da existência de superespalhadores que infectam um grande número de pessoas. Mas se essas pessoas também são ‘supershedders[1]‘ que emitem grandes quantidades de vírus, ou simplesmente têm muitos contatos sociais, está em debate, diz o ecologista de doenças Pablo Beldomenico do Instituto de Ciências Veterinárias da Costa em Esperanza, Argentina. Este estudo “suporta a existência de supershedders”, diz ele.
Testes rápidos mostram seu valor
Os participantes usaram testes de fluxo lateral, também conhecidos como testes rápidos de antígeno, em cada dia em que estavam isolados. Nenhum dos participantes emitiu um nível detectável de vírus no ar antes de testar positivo, e apenas uma pequena proporção deles deixou o vírus detectável em suas mãos, superfícies ou máscaras que usaram temporariamente.
No momento em que testaram positivo, a maioria dos participantes já apresentava sintomas leves, como cansaço ou dores musculares. Isso significa que, se as pessoas fizerem o teste assim que detectarem os sintomas, os testes rápidos podem ser uma ferramenta poderosa para controlar a propagação viral, diz o pesquisador de doenças infecciosas Christopher Brooke, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.
Mas nem todas as informações reveladas por essa pesquisa são úteis, segundo Donald Milton, da Universidade de Maryland em College Park. Portanto, o derramamento viral pode diferir entre os participantes do estudo e as pessoas infectadas do mundo real, já que a variante dominante é a Omicron que se espalha de forma diferente da cepa do vírus utilizada na pesquisa, que foi a detectada em 2020.
Apesar dessas limitações, o estudo fornece informações realmente úteis, segundo Singanayagem. A equipe planeja realizar estudo de desafio semelhantes com variantes mais recentes.
[1] Um indivíduo que produz muito mais organismos infecciosos de um tipo específico do que a maioria dos outros indivíduos da mesma espécie hospedeira
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