“Vício” em comida deve ser tratado como o abuso de drogas? Alguns estudos apontam que sim
É possível ser “viciado” em alimentos não saudáveis? Sim, afirma um grupo de médicos e cientistas que desafia o aconselhamento médico tradicional, propondo uma nova abordagem sobre a compulsão alimentar. Embora não seja uma ideia nova, muitos pesquisadores e organizações resistem a ela, pois parece diferente de outros vícios, como álcool ou drogas. “Um vício é uma dependência de algo que você não precisa”, diz Duane Mellor, da British Dietetic Association.
Todos precisamos comer, mas defensores da ideia de dependência alimentar apontam para estudos em ratos, onde a ingestão de água adoçada libera dopamina, similar ao efeito da cocaína.
Contudo, não está claro quais alimentos são viciantes. Pessoas podem ser compulsivas por doces ou salgados, como amendoins e frituras. Alguns acreditam que carboidratos, mesmo os saudáveis, desencadeariam desejos.
Sem uma definição clara de vício, a Organização Mundial da Saúde considera o comportamento das pessoas e seu impacto. A dependência alimentar é medida pela Yale Food Addiction Scale, que avalia comportamentos como comer até se sentir mal. Estudos indicam que até 14% dos adultos apresentariam dependência alimentar, com números mais altos entre obesos ou com episódios de compulsão.
Para melhorar a compreensão, 40 médicos e pesquisadores desenvolveram uma declaração de consenso, apresentada na International Food Addiction Consensus Conference, em Londres. Eles sugerem que a dependência seja especificamente de alimentos ultraprocessados, como bolos e pizzas, que são consumidos de maneira compulsiva apesar das consequências negativas.
Porém, essa ideia enfrenta resistência, pois muitos cientistas contestam a noção de que alimentos ultraprocessados são uma categoria exclusivamente prejudicial. A questão é se promovem ganho de peso por serem industrializados ou por seu alto teor de gordura, sal e açúcar. Evitar todos os processados exclui alimentos geralmente considerados saudáveis, como pão integral e feijão enlatado.
Para dietas, a eliminação total de certos alimentos pode ser problemática, já que muitos alimentos dietéticos são processados. A abordagem de abstinência completa sugere que pessoas com dependência se beneficiariam ao evitar totalmente os “alimentos desencadeadores”, semelhante ao tratamento de alcoolismo, o que contradiz a recomendação comum de moderação.
Estudos recentes dão algum suporte à abstinência, mostrando que após três meses, essa abordagem ajudou na redução da compulsão alimentar e na perda de peso. Resultados a longo prazo também indicam uma continuação na diminuição das pontuações de dependência alimentar. No entanto, resultados de perda de peso em um ano ainda não estão disponíveis, e precisaríamos de um ensaio comparando abstinência e moderação.
Ainda não se sabe se os defensores da dependência alimentar convencerão a comunidade médica. Gunter Kuhnle, da Universidade de Reading, sugere que incluir um grupo mais amplo de especialistas daria mais credibilidade à campanha. Mellor afirma que a ideia seria útil para alguns, mas eliminar todo o açúcar ou carboidratos pode não ser a solução para todos.
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