As inundações e nossa saúde
Hoje é 13 de maio de 2024, o sul do país está submerso, milhares de pessoas estão desabrigadas morando em abrigos sem saber o dia de amanhã. Outras tantas não tiveram a sorte de serem socorridas e morreram em meio a esse desastre. O Brasil acompanha atentamente a catástrofe e seus cidadãos buscam, cada qual a seu modo e como pode, enviar algum tipo de ajuda e acalento aos gaúchos. Infelizmente, os prejuízos não são apenas econômicos, não apenas objetos e casas foram perdidos, a saúde pode ser afetada as mais diversas formas.
Não somente o Brasil sofre com esses fenômenos climáticos extremos, as inundações são o desastre natural mais frequente em escala global, afetaram mais de dois bilhões de pessoas em todo o mundo entre 1998 e 2017, representando 44% de todas as catástrofes mundiais.
À medida que as mudanças climáticas tornam o mundo mais propenso a fenômenos meteorológicos extremos, é provável que um número crescente de pessoas seja afetado por inundações e suas consequências devastadoras, incluindo os impactos significativos na saúde.
O Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em março de 2022, enfatizou que os riscos climáticos, como as inundações, “contribuem cada vez mais para um aumento nos resultados adversos para a saúde”.
Os efeitos na saúde decorrentes de desastres como inundações são multifacetados e podem se manifestar em várias camadas, afetando indivíduos e comunidades de forma simultânea.
Os riscos à saúde enfrentados por qualquer comunidade podem variar em termos de sua natureza, severidade e vulnerabilidade, dependendo de uma série de fatores. Aspectos como geografia, tamanho e densidade populacional, assim como os níveis de preparação e resiliência, desempenham papéis fundamentais nesse contexto. Além disso, as características específicas das inundações, sejam elas súbitas, costeiras, fluviais ou persistentes em áreas de baixa altitude, influenciam diretamente esses riscos.
As inundações impactam a saúde humana de forma direta e indireta, tanto a curto quanto a longo prazo. É importante destacar que não são apenas as comunidades afetadas pelas inundações que correm riscos à saúde; equipes de resposta a desastres, profissionais de saúde e provedores de serviços essenciais também estão suscetíveis a esses impactos.
Embora o afogamento seja frequentemente destacado como uma preocupação primordial em relação aos riscos de saúde associados às inundações, uma ampla gama de perigos pode surgir, desde lesões físicas, hipotermia e ataques de animais até doenças infecciosas, desnutrição e problemas de saúde mental.
Em momentos de catástrofes como inundações, a atenção tende a se concentrar nos impactos econômicos, nos danos materiais e nas vítimas humanas, mas é crucial reconhecer que esses aspectos se entrelaçam com preocupações de saúde de diversas maneiras.
As inundações podem sobrecarregar os sistemas de saúde devido a danos infra estruturais, à escassez de profissionais de saúde e à interrupção do acesso a medicamentos, resultando em atrasos nos cuidados ou tratamentos necessários.
As doenças e surtos representam outro grande desafio de saúde durante as inundações. Elas podem se manifestar na forma de doenças transmitidas pela água, resultantes do consumo ou contato com água contaminada. Essas doenças podem incluir diarreia, cólera, febre tifoide e leptospirose.
Às vezes, as doenças também podem ser transmitidas por vetores, sendo veiculadas por uma espécie intermediária que carrega o patógeno da doença, como os mosquitos. Entre as doenças transmitidas por vetores que surgem durante as inundações, estão a dengue e a malária.
Além disso, as consequências econômicas ou a perda de bens e meios de subsistência devido às inundações podem desencadear instabilidade financeira, afetando a saúde mental das pessoas, além do sofrimento causado pela perda de entes queridos. As inundações aumentam consideravelmente o risco de doenças e possíveis surtos nas populações, pois podem resultar em transbordamento de esgotos, danos nas instalações de abastecimento de água e no saneamento. A contaminação da água potável pode desencadear casos de febre tifoide, cólera e hepatite A.
Nas áreas propensas a inundações costeiras, há também o perigo de intrusão de água salgada nas fontes de água potável, elevando os riscos de hipertensão e eclâmpsia. Após o recuo das águas das enchentes, as poças d’água estagnada deixadas nos terrenos, em residências ou até mesmo em áreas agrícolas podem se tornar criadouros para mosquitos, resultando em doenças como dengue ou malária. Em Bangladesh, por exemplo, o pior surto de dengue registrado em 2019, com mais de 100 mil casos e 179 mortes, foi atribuído às inundações durante a estação das monções daquele ano.
Além disso, o deslocamento e a eventual superlotação nos centros de evacuação podem acarretar outros problemas, como infecções fúngicas pulmonares e sistêmicas, resultantes de condições insalubres. O Observatório Europeu de Clima e Saúde indica que pessoas evacuadas para abrigos temporários têm maior probabilidade de exposição a doenças infecciosas e patógenos, aumentando o risco de problemas de saúde.
Lesões durante as
também podem resultar em infecções, como a leptospirose, uma doença transmitida pela urina de roedores contaminada, que pode entrar em contato com a pele. Nas Filipinas, um país altamente vulnerável a riscos naturais e às mudanças climáticas, foram registrados aumentos nos casos de leptospirose, febre tifoide e dengue após fortes chuvas e inundações.
Problemas de saúde mental também são uma preocupação significativa. A experiência de sobreviver a uma inundação pode ter impactos duradouros, incluindo ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), psicose e insônia. No Reino Unido, por exemplo, vítimas de inundações apresentaram entre 4 a 8,7 vezes mais chances de desenvolver problemas de saúde mental a longo prazo em comparação com aqueles não afetados. O processo de limpeza, recuperação e reconstrução após as inundações também pode ser uma fonte adicional de estresse, especialmente se não for adequadamente gerenciado pelos governos e setores privados.
As interrupções nos serviços básicos, como eletricidade, água e alimentos, podem ser extremamente angustiantes e têm o potencial de afetar significativamente a saúde mental, especialmente quando prolongadas.
Em julho de 2021, fortes chuvas desencadearam algumas das piores inundações testemunhadas na Europa Ocidental em décadas, resultando em mais de 200 vítimas e danos econômicos estimados em bilhões de euros. Já no Brasil, em 2011 a cidade de Teresópolis matou quase mil pessoas. Lembrando que, até o momento, as enchentes do RS já provocaram mais de cem óbitos. O próprio RS sofre, hoje, o quarto desastre climático em menos de um ano. Em 2023 três eventos ocorreram em junho e somaram 74 mortos. Somam-se a esses eventos outros tantos pelo Brasil e pelo mundo.
A Organização Mundial da Saúde emitiu diretrizes de saúde pública sobre os impactos de longo prazo na saúde decorrentes da interrupção do acesso a serviços essenciais e da recuperação lenta. Nesse contexto, o Centro para Filantropia em Desastres enfatizou a importância da saúde mental como uma prioridade máxima para as pessoas afetadas.
A subnutrição ou desnutrição é outro aspecto da saúde frequentemente negligenciado, mas significativo, em desastres como inundações. Durante e após as enchentes, as vítimas muitas vezes enfrentam escassez de alimentos e perdem o acesso regular à alimentação adequada. Além disso, os sistemas alimentares, como a agricultura, podem ser severamente afetados pelas inundações, impactando tanto a quantidade quanto a qualidade dos alimentos disponíveis e contribuindo para a insegurança alimentar e a subnutrição.
Em áreas do Sudão do Sul, por exemplo, inundações resultantes de anos de chuvas intensas deslocaram centenas de milhares de pessoas, algumas das quais foram forçadas a buscar alimentos selvagens, como nenúfares, devido à perda de colheitas e gado como fontes de alimento. Estima-se que cerca de 7,7 milhões de pessoas estejam em risco de insegurança alimentar grave nessas regiões.
À medida que as mudanças climáticas exacerbam as inundações, com temperaturas mais altas aumentando a precipitação e causando eventos climáticos extremos, o número de pessoas expostas a inundações continua a crescer. Entre 2000 e 2015, mais 86 milhões de pessoas foram afetadas por inundações, e aproximadamente 1,81 bilhão de pessoas já enfrentam um risco significativo de inundação.
É crucial aprender a se adaptar para lidar com os impactos das inundações na saúde, além de realizar esforços de mitigação, como a redução de emissões de gases de efeito estufa. Na Europa, por exemplo, estima-se que sem medidas preventivas, até 2,2 milhões de pessoas estarão expostas a inundações costeiras até 2100. No entanto, com medidas de mitigação moderadas e adaptação adequada, esse número pode reduzir significativamente, demonstrando a importância de ações rápidas e decisivas em relação às mudanças climáticas.
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